São mais de 20 anos de usos do INRC, mas as bases que resultaram na construção desse instrumento foram estabelecidas lá atrás. É o famoso “senta que lá vem história!”
Desde os tempos das pesquisas de folcloristas como Mário de Andrade e Câmara Cascudo, foram produzidas grandes enciclopédias da cultura brasileira. São levantamentos sobre ritmos, danças e músicas, que vão dos pampas gaúchos à bacia amazônica, dos sertões ao litoral. Esforços que resultaram em compêndios repletos de preciosidades produzidas por diferentes setores da sociedade brasileira durante séculos. Se ainda não eram exatamente inventários, pelo menos, já eram “as referências das referências”. Essa forma de documentar, organizar e tratar informações iniciada pelos folcloristas ainda ecoa no trabalho que o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) realiza até hoje.
Já na década de 1970, é chegada a era Aloísio Magalhães, nome à frente do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). As atividades do CNRC partiam da ideia de que os indicadores para um processo mais humano, autônomo e criativo de desenvolvimento do Brasil estavam na cultura do povo brasileiro, em toda a sua rica diversidade. Assim, o CNRC foi o grande responsável pela associação que fazemos, até os dias de hoje, entre “referências culturais” e o “patrimônio não consagrado” ou as “tecnologias patrimoniais”; o patrimônio imaterial ainda estava por vir.
As experiências inovadoras do CNRC foram sistematizadas em diretrizes para a política do patrimônio cultural em 1979, momento em que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Programa Cidades Históricas se uniram ao CNRC, dando origem à Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e seu braço executor das ações, a Fundação Nacional pró-Memória. Assim se estabelece o complexo SPHAN/Pró-Memória, que durou até 1990.
Naquele período, há grandes avanços. As experiências com os padrões de tecelagem tradicional do Triângulo Mineiro, a organização e exposição das tradições de arte plumária indígena e os estudos sobre bens culturais de origem africana no Brasil são alguns deles. Vêm daí os primeiros tombamentos de terreiros de Candomblé e o sítio memorial da Serra da Barriga, centro do Quilombo de Palmares (AL). Muito se caminhou!
Os anos 90
Em 1995, buscando aprofundar essas experiências e consolidar um aparato institucional, o Departamento de Identificação e Documentação (DID) patrocinou o Encontro de Inventários do Conhecimento, realizado no Rio de Janeiro (RJ). Durante o evento, já se buscava superar a falsa dicotomia entre bens de “pedra e cal” e as demais manifestações culturais. Também foram apresentadas experiências de inventário do próprio Iphan e de outras instituições estaduais e municipais.
Em poucos anos, vários projetos convergiram para a consolidação do INRC. As candidaturas a Patrimônio Mundial dos centros históricos de Diamantina (MG) e Goiás (GO), por exemplo, testaram formulários de referências culturais para ajudar a mostrar o que havia de mais humano nos centros históricos.
A criação do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, em 1997, também retomou a noção de “referência cultural” para conceber a nova política. Em 1999, na época em que o governo brasileiro se preparava para as comemorações dos chamados “500 anos do descobrimento do Brasil”, os investimentos do Ministério da Cultura na área intitulada Museu Aberto do Descobrimento (MADE) se tornaram projeto-piloto do Inventário. Em 2000 o instrumento foi concebido em sua formação definitiva: nascia o INRC!
De lá pra cá, foram realizados inventários em todos os estados brasileiros. O INRC esteve em bairros, municípios e estados; foi delimitado por rios, serras e biomas, e descreveu inúmeros processos culturais. O critério étnico também guiou a realização de muitos inventários e mapeamentos em comunidades tradicionais, como povos de terreiros, comunidades de imigração, quilombolas e indígenas. E mais!
Cidades históricas como Alcântara (MA), Natividade (TO), Lapa (PR) e Porto Seguro (BA) também realizaram inventários utilizando o INRC. E muitos deles se desdobraram em processos de registro dos bens como Patrimônio Cultural pelo Iphan. São exemplos a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio em Barbalha (CE), o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (PE), o Fandango Caiçara (SP e PR) e tantos outros.
Reformulação
O INRC foi também, ao longo desses 20 anos, foco de diversas reflexões e diagnósticos. O instrumento passou por um conjunto de processos avaliativos, principalmente em três eixos: encontros realizados com servidores do Iphan em 2005, 2007 e 2013; trabalhos de consultores especialmente contratados para pensar os processos de identificação; e o Grupo de Trabalho de Avaliação do Inventário Nacional de Referências Culturais (GT-INRC), que, entre 2016 e 2018, reuniu especialistas, antigos gestores, técnicos e representantes de comunidades detentoras para compilar sugestões, indicativos, críticas e demandas, num relatório propositivo, que indicasse caminhos objetivos pra transformar o INRC.
O processo de avaliação resultou em recomendações, dentre as quais estão a promoção de mecanismos de participação social, por meio da inclusão de ferramentas e soluções tecnológicas, e a disponibilização do INRC para qualquer comunidade e instituição, além da publicização dos resultados.
Pra saber mais
Se quiser se aprofundar mais na história do INRC, das referências culturais e da política de identificação do patrimônio cultural, a gente publicou uma coleção sobre tudo isso, em comemoração dos 20 anos do INRC, que aconteceu em 2020. Você pode conferir esse material aqui.